Já experimentou abordar a temática da bruxaria com alguém? Certamente haverá pessoas que conversarão com você sobre o assunto sem qualquer tipo de preconceito. Todavia, mesmo no século XXI, muitas ficarão assustadas, outras dirão que nada sabem sobre o assunto. E ainda haverá aquelas que responderão com reprovação e medo.
Na atual sociedade as pessoas ainda condenam praticantes de bruxaria e as acusam, reprovando suas práticas. E por que o fazem?
Supomos que tal atitude aconteça, primeiro, porque a prática da bruxaria ainda é considerada como algo criminoso e perverso; segundo, porque impera certo desconhecimento sobre o assunto; e por último, porque convém à sociedade manter essa ideia para perpetuar o domínio sobre as mulheres. Ou seja, esse pensamento não passa de uma construção histórica e social para dominar, submeter e subjugar mulheres, para que sejam conformadas reprodutoras de mão de obra.
Pode parecer estranho, mas a caça às bruxas ainda se faz muito presente na contemporaneidade: no sistema carcerário, onde a maioria das mulheres são pretas; nos meios de comunicação, nos quais elas são expostas, humilhadas e ridicularizadas; no sistema de saúde, através da violência obstétrica; nas violentas abordagens policiais, nas relações familiares e de amizade, em que homens as silenciam; e no processo de marginalização das mulheres trans e travestis.
Mas, apesar das tentativas de apagamento, a participação da mulher na sociedade sempre se sobressai historicamente. Na pré-história e na antiguidade, por exemplo, elas tinham o controle sobre sua função reprodutiva e o direito de utilizar coletivamente grandes extensões de terra onde plantavam e colhiam tudo o que quisessem. Porém, a sociedade precisava de mão de obra. Por isso, as terras começaram a ser cercadas, elas perderam o espaço de cultivo e encontro. Era preciso que tivessem muitos filhos para o trabalho e a produção de riquezas. O conhecimento dos remédios que curavam muitas doenças da época também precisava sair de seus domínios.
Assim, os nobres e o clero começaram a propagar a ideia de que as práticas femininas não eram “coisa de Deus”. Ficou fácil, portanto, associá-las à feitiçaria, já que os termos “bruxa e bruxaria” surgiram quando as primeiras Inquisições foram instituídas. Desse modo, os homens começaram prioritariamente a realizar os procedimentos medicinais, e as mulheres comuns tiveram que se recolher e se conformar com as atividades domésticas.
Até voltaram a ser chamadas oficialmente ao trabalho externo por ocasião das grandes guerras, mas essa participação foi tolhida assim que cessaram os conflitos, para que continuassem a cuidar da reprodução da força de trabalho e realizassem o trabalho gratuito para a sociedade, o de cuidado da casa. E, caso alguma delas se rebelasse, comumente era chamada de louca, histérica ou bruxa.
Esse mesmo controle da mulher continua presente na atual sociedade, seja por meio das desigualdades instituídas entre homens e mulheres no trabalho. Ou ainda quando se elege uma área de conhecimento ou trabalho como feminino, ou “coisa de mulher”.
Até bem pouco tempo, não havia mulheres na Polícia, muito menos nos Poderes Judiciário e Legislativo, no comando da Administração de Grandes e Pequenas Empresas. Sem contar que ainda não resolvemos duas questões cruciais: a do poder sobre os nossos próprios corpos e a do trabalho do cuidado
Apesar do cerceamento histórico, os atos de bruxaria permanecem durante os séculos e resistem às violências. Quer exemplos? No dia a dia, muitas mulheres ainda recorrem aos “chazinhos” para pequenos problemas de saúde, às simpatias ou pequenos feitiços para atrair prosperidade e amor, mesmo que não percebam tais práticas. De alguns anos para cá, muita gente passou a se dedicar à bruxaria, estudando, iniciando práticas, participando de Covens e demais grupos de bruxaria. Mas para além de tudo isso, a cada ideia diferente tida por uma mulher e a cada tentativa de agruparem-se para lutar contra essa opressão e dominação, elas são ridicularizadas, escarnecidas e depreciadas.
É fato que entre Bruxos e Bruxas existem os que praticam o mal, que fazem rituais em prejuízo de outrem. Mas boas e más pessoas existem em todos os campos do conhecimento, seja ele científico ou espiritual. Há os bons padres e os maus, os bons pastores e os maus, os bons médicos, professores, advogados e também os maus…
*Angela Cruz é professora universitária aposentada e escritora. Estreou como romancista com “A Fênix Escarlate: Blanca de Lagash”, uma saga épica sobre uma bruxa que renasce diversas vezes através dos séculos e luta pelos direitos femininos.