Uma história de comunicação, mudança da sociedade e respeito à vida
Dez anos atrás, a jornalista Silvana Andrade decidiu dar uma guinada na carreira. Com passagem por grandes veículos de comunicação, experiência em TV e imprensa escrita e currículo impecável, ela poderia trabalhar em qualquer organização. Em vez disso, optou por um caminho que mudaria não somente sua vida profissional, mas ajudaria a revolucionar a forma como a sociedade e a mídia encaram a questão animal em nosso país.
Ativista e vegana, Silvana criou a Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA). Quase sem investimento, ela se uniu a voluntários das mais diversas formações para colocar em pauta temas que, embora não fossem inéditos, permaneciam restritos a grupos muito pequenos de militantes e pesquisadores, tais como o veganismo e a senciência dos animais – isto é, a capacidade que eles possuem de perceber conscientemente tudo aquilo que os rodeia.
“A ANDA é uma organização não-governamental comprometida em disseminar conteúdo jornalístico voltado à defesa dos animais”, explica Silvana. “Temos lado e deixamos isso claro, mas estamos comprometidos com a verdade. Por isso, as apurações são realizadas com critério jornalístico. Não disseminamos fake news e os artigos de opinião são todos assinados”, esclarece a jornalista.
Papel formador
As mudanças mais profundas da sociedade acontecem de maneira sutil, quase imperceptível. Hábitos, palavras, posturas, atitudes – tudo é passível de transformação.
No que se refere aos direitos dos animais, existe hoje uma razoável aceitação de que todos os seres vivos merecem ser tratados com respeito e dignidade; que infligir maus-tratos é inaceitável; e que os seres humanos devem zelar por outras formas de vida, e não simplesmente servir-se delas.
Tudo isso parece muito óbvio e simples. Mas, se voltarmos algumas décadas na História, encontraremos situações corriqueiras de crueldade.
Basta lembrar que, de 1973 até 2001, o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de São Paulo executava diariamente, em uma câmara de descompressão, centenas de cães e gatos recolhidos nas ruas da capital paulista.
O pretexto era de que seria impossível controlar a superpopulação de cães e gatos sem proceder à matança em larga escala.
A sociedade civil organizada exigiu mudanças, e estas vieram. Hoje, o mesmo CCZ que foi sinônimo de sofrimento e morte durante décadas realiza festas de adoção de animais, e o Poder Público custeia cirurgias de esterilização para cães e gatos da população de baixa renda.
Não se pode dizer, claro, que a vida dos animais tenha se transformado em um mar de rosas. Mas é fato que eles são cada vez mais percebidos como seres sencientes.
Essa mudança de mentalidade tem tudo a ver com comunicação.
Neste sentido, a evolução das entidades brasileiras de defesa dos animais, a disseminação das redes sociais e a existência de uma agência de notícias como a ANDA exercem papel decisivo: “Eu me lembro de quando um grande jornal fez uma reportagem sobre o uso de animais em ensino e pesquisa e ouviu apenas o lado dos vivisseccionistas, sem dar vez e voz aos defensores dos animais”, comenta Silvana. “Entrei em contato com o jornalista responsável pela matéria e ele se surpreendeu ao descobrir que existia um ‘outro lado’ – isto é, o lado dos animais – nesse assunto”, ela recorda. “Hoje, seria impensável algum veículo de comunicação sério tratar de um tema como esse sem ouvir pelo menos uma ONG de protetores”.
Exemplos como este não faltam. A própria terminologia usada em relação aos animais tem sido modificada. “Cada vez mais, as pessoas estão conscientes de que se deve falar em ‘tutor’ e não em ‘dono’ de animal, porque este não é um objeto”, diz Silvana.
Hora de ir mais longe
Embora o core da ANDA seja a comunicação com a sociedade em geral, e com a imprensa em especial, a ONG também se dedica à judicialização e à realização de conferências e eventos culturais e esportivos.
“Procuramos atuar na raiz dos problemas”, conta Silvana. “Entramos, por exemplo, com ação na Justiça para impedir o embarque de gado vivo para o exterior, e recentemente atuamos em conjunto com uma ONG de São Roque para conseguir que a Justiça ordenasse a transferência do chimpanzé Black, que vivia isolado no Parque Zoológico Municipal ‘Quinzinho de Barros’, para o Santuário de Grandes Primatas, em Sorocaba”, declara.
Estes não foram os únicos casos em que a ANDA atuou e fez a diferença. Em dezenas de ocasiões, animais conseguiram adotantes ou reencontraram seus lares, praticantes de crueldade responderam judicialmente pelos seus atos e fatos importantes foram esclarecidos graças às mais de 100 mil matérias publicadas pela ANDA desde 2008.
Em 10 anos, Silvana foi muito além dos horizontes imaginados na época em que concebeu a ANDA. Hoje ela almeja ampliar a atuação da ONG, por meio da implementação de novas atividades: “Temos muitos projetos que pretendemos colocar em prática. Infelizmente, ainda não tivemos recursos suficientes para tirar as ideias do papel”.